Ainda nos tempos de hoje, o tipo de divertimentos, sua intensidade e frequência se acham fortemente condicionados pelo nível social e pelas possibilidades materiais. Na Idade Média, essa relação era ainda mais estreita, a grande maioria das distrações tipicamente medievais eram os torneios ou os saraus onde se trovava e cantava. O povo possuía também formas de folgança e de esquecimento da labuta quotidiana; mas eram em menor número e menos requintadas. A nobreza tinha muito tempo livre, a função do nobre estava, não em trabalhar, mas em defender pelas armas. A sociedade nobre constituía assim um corpo de oficiais sempre atento à defesa coletiva, que era aliás a dos seus próprios interesses. Fazia-o com galhardia, quando necessário, mas exorbitava das suas funções, atacando muitas vezes e procurando a guerra apenas pelo prazer do combate. Entre as atividades mais queridas da nobreza e do clero, e com mais frequência praticadas, contava-se a caça. [...] Desporto aparentado era a arte de cavalgar. [...]. A nobreza não se divertia apenas cavalgando, jogando à espada ou exercitando-se noutros desportos violentos. Nem muitas vezes o tempo o permitia. Dentro de casa, nos serões de Inverno ou quando fora chovia e trovejava, o rei, o senhor, vassalos e famílias precisavam de entreter o tempo de qualquer forma. Aliás, as transformações sociais, do século XI ao século XV, foram no sentido de uma preferência cada vez maior pelas distrações pacíficas, pouco belicosas, onde a mulher podia participar e onde a aproximação entre os dois sexos se acentuava. [...]. Do século XII ao século XIV, os trovadores e os jograis desempenharam papel de relevo no âmbito dos divertimentos da nobreza. O trovador era, em regra, um nobre que compunha o poema e, às vezes, a música para ele, que jograis e soldadeiras tocavam e cantavam. Na corte portuguesa, trovadores e jograis aumentavam desde os meados do século XIII, florescendo durante cerca de cem anos. Os jograis, músicos, saltimbancos, poetas ou atores populares, porque tudo eram um pouco, andavam de terra em terra, à maneira dos circos ambulantes, detendo-se sempre que havia público para os aplaudir e remunerar, preferindo naturalmente as residências dos grandes senhores ou os conventos abastados. [...] Na corte do rei, e certamente nos solares mais importantes, fixavam-se sempre alguns jograis, tornados sedentários pela promessa de residência e nutrição gratuitas e de emprego seguro. Deles saíram muitas vezes os bobos, mais famosos na lenda e na tradição do que documentados pela história. As trovas mais numerosas cantavam o amor, em suas formas variadas. Antepassadas longínquas das revistas de nossos dias eram as cantigas de escárnio e maldizer, que satirizavam acontecimentos, costumes e pessoas, em coplas vivas e mordazes, por vezes obscenas. É de supor que uma e outras fossem cantadas somente perante o rei, a corte ou as audiências fidalgas da província. [...] Também eram frequentes os espetáculos de danças populares, ante requintadas assistências palacianas. Contratavam--se vilões que cantavam e bailavam suas modinhas tradicionais defronte do rei, de grandes senhores ou de convidados ilustres. Todos os festejos populares se faziam à base de música e de dança. Bailava-se em roda, cantava-se, batia-se com as mãos e com os pés. A dança informava boa parte das cantigas de amigo dos séculos XIII e XIV:
"Bailemos nós já todas três, ai amigas
Sob aquestas avelaneiras floridas."
Havia danças só para mulheres ou só para os homens, havia também danças em que tomavam parte os dois sexos. Algumas cantigas falam de danças nos terreiros das igrejas, que se desenrolavam entre a juventude enquanto as mães rezavam no templo. Cantando e bailando se animavam as feiras e as romarias e se interrompiam os trabalhos campestres. Coros masculinos, em motivo único ou acompanhando um solo, haviam de se escutar por toda a província, suavizando a dureza dos mesteres, espraiando-se pelas searas, pelas debulhas e pelos pomares. Às vezes eram os próprios cânticos de igreja que o povo aproveitava para trovas laicas.[...] A descrição das múltiplas festas de raiz popular não acabaria mais. Festejavam-se, não somente os fastos do catolicismo, como também os do paganismo com cor de cerimônia cristã e até usos pagãos puros. As mais importantes festas cristãs, conhecidas em todo o País, eram as do Natal, da Páscoa, de S. João Batista, do Corpo de Deus e de Todos os Santos. Judeus e mouros tinham igualmente os seus festejos próprios. Não variavam muito dos de hoje os divertimentos costumados em tais festividades. Cerimônias religiosas (especialmente procissões), mercado ou feira, repicar de sinos, baile e cantoria, refeições colectivas, emprestavam o colorido típico habitual.
A. H. de Oliveira Marques, A Sociedade Medieval Portuguesa
http://auladeliteraturaportuguesa.blogspot.com.br/2008/07/idade-mdia-as-distraces-em-dias-de-paz.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário