"Fernão Lopes procura os fatos mais essenciais e faz reviver a história, mas, embora constantemente fascine o leitor, não faz omissões conscientes de factos que devam ser conhecidos. É um feiticeiro que obriga o leitor a aceitar todas estas interpolações entre aspas e a deleitar-se e consentir nos seus conhecimentos graciosamente expressos."
Fernão Lopes, nascido por volta de 1380, foi escrivão de D. Duarte e deu início à série de cronistas do reino. Sua obra compõe-se da Crônica de D. Pedro, da Crônica de D. Fernando e da Crônica de D. João (1ª e 2ª partes). A história ficcional de Fernão Lopes marca uma ruptura com a tradição medieval, as crônicas formam uma trilogia e obedecem, portanto, a um “plano geral” o que coloca esse cronista em uma posição soberana como historiador, pensador e escritor e atribui uma decisiva intencionalidade a toda essa escrita. Fernão Lopes era um cronista medieval; era, pois, um compilador que ordenava cronologicamente realizando construções profundamente narrativas, isso permite pensar que ele não só relatava a vida dos reis de Portugal como também, ao fazer registro dos fatos em ordem cronológica, organizava elementos decisivos para a história de seu país. E, assim, o texto de Fernão Lopes transforma-se de pluralidade de retalhos em uma unidade bastante significativa, pois, na primeira crônica, temos indícios do que aconteceria na terceira. Desse modo, dados do passado corroboram o que acontece no futuro, com uma espécie de uso retrospectivo de profecia para que fatos da história de Portugal sejam justificados tal como futuramente aconteceria em alguns romances românticos. A construção da personalidade dos três reis, por Fernão Lopes, instituiu que os monarcas fossem vistos como símbolos e figuras de um poder que se sobrepunha a todos os outros. Já o povo, a “arraya meuda”, é apresentado por Fernão Lopes como protagonista da história, o que consiste num dos mais flagrantes traços de originalidade de sua obra. Na Crônica de D. João I, por exemplo, o povo elege o seu rei, o Mestre de Avis, como se fosse o guardião, ou melhor, quem dava voz à vontade divina. Fernão Lopes tratava de, antes de principiar a história do reinado, demonstrar a legitimidade de uma eleição régia que não foi determinada pelo direito de sangue, mas pela vontade da população (povo, burguesia e pequena parte da nobreza). Como cronista/historiador, Fernão Lopes baseia-se nos fatos e documentos, mas, como bom contador de história que, também, era, criticava dados históricos e fontes aproximando-se, assim, da crítica histórica do século XIX. Fernão Lopes interpreta a história por meio de sua experiência social, como afirma Teresa Amado: "Uma série de circunstâncias felizes fizeram com que Fernão Lopes não estivesse sujeito a tais limitações. Não era membro puro de nenhum grupo. De origem pequeno-burguesa, ao que tudo indica, ganhou pelas exigências da sua profissão e pelas suas próprias qualidades intelectuais, acesso ao convívio com pessoas e objetos que social e culturalmente estavam muito acima do horizonte que seu nascimento teria permitido antever. (1997, p. 25)". Fernão Lopes, ao escrever crônicas embasadas na história, torna esse saber uma ciência auxiliar ao exercício da soberania monárquica, o que o faz ser louvado como um marco inaugural da historiografia e da prosa literária portuguesa.
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